REDUÇÃO DOS JUROS SOBRE MULTA EM PARCELAMENTO TRIBUTÁRIO

Exigência de juros de mora sobre parcela anistiada das multas de ofício e das multas isoladas é indevida

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Em casos de parcelamento, muitas empresas acabam recolhendo os juros de mora aplicados sobre a parcela anistiada das multas de ofício e das multas isoladas, como já ocorreu no Programa de Recuperação Fiscal (Refis), instituído pela Lei 11.941/09.

Embora parte das multas tenha sido anistiada, as autoridades fiscais exigiram os juros sobre as multas como se não houvesse percentual anistiado.

Entretanto, não há mora em relação a crédito tributário que jamais existiu – no caso, que deixou de existir diante dos efeitos ex tunc da anistia, ou seja, a anistia teve efeito retroativo.

É o que prega a doutrina do direito penal, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e a interpretação conjunta das disposições do Código Tributário Nacional (CTN).

A ilustração abaixo mostra como o fisco aplicou essa redução aos juros atrelados às multas, desconsiderando a anistia:

Graficos-01.png

O fisco, entretanto, deveria ter exonerado 100% dos juros atrelados às partes anistiadas das multas. O correto seria aplicar a redução apenas aos juros efetivamente devidos – aqueles que estavam atrelados às partes remanescentes das multas:

Graficos-02.png

Abaixo, um exemplo numérico de redução da multa de ofício, na hipótese do inciso V do § 3.º do art. 1.º da Lei 11.941/09:

CÁLCULO EFETUADO PELA RFB
PRINCIPAL JUROS SUBTOTAL
Multa de Ofício 10.000,00 2.000,00 12.000,00
Redução Multa 60%

Redução Juros 25%

4.000,00 2.000,00

1.500,00

Total devido Refis 4.000,00 1.500,00 5.500,00
CÁLCULO CORRETO
PRINCIPAL JUROS SUBTOTAL
Multa de Ofício 10.000,00 2.000,00 12.000,00
Redução Multa 60%

Redução Juros 25%

4.000,00 800,00

600,00

Total devido Refis 4.000,00 600,00 4.600,00

O cálculo efetuado pela Receita Federal do Brasil (RFB) desconsidera o princípio do direito privado de que “o acessório segue o principal”, aplicado em matéria tributária de acordo com o art. 109 do CTN.

A adesão ao Refis e a quitação total indevida dos juros sobre multas

Tomemos como exemplo a Lei 11.941/09, que possibilitou o parcelamento de débitos tributários administrados pela RFB e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) em até 180 prestações, com reduções de multas e juros de mora.

O contribuinte aderiu ao parcelamento previsto na lei e passou a quitar regularmente as parcelas.

Aliado a isso, valeu-se do art. 33 da Lei 13.043/14, que possibilitou a quitação antecipada do saldo devedor do Refis mediante pagamento de, no mínimo, 30% em dinheiro – com descontos aplicáveis ao pagamento à vista, conforme o parágrafo 10 – e o restante com créditos de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL próprios e de outras empresas do mesmo grupo econômico.

Ao passar por procedimento de auditoria, o contribuinte, porém, detecta que lhe foram exigidos valores superiores aos que seriam efetivamente devidos, resultando em majoração.

No caso, as autoridades fiscais desconsideraram que os juros incidentes sobre as multas anistiadas no parcelamento foram exonerados na mesma proporção.

Para ilustrar o equívoco da cobrança, se a lei anistiasse 100% das multas, as autoridades, ao proceder da maneira descrita acima, teriam cobrado, indevidamente, os juros atrelados às multas já baixadas.

Ausência de mora – Os efeitos da anistia em relação ao passado levam à exclusão do crédito tributário. Com isso, os juros de mora que incidem sobre ele devem ser igualmente extintos.

A lei estabelece os critérios para a adesão do contribuinte ao programa de quitação de débitos fiscais federais. Exemplo da Lei 11.941/09:

PARTE DO DÉBITO REDUÇÕES
Multas de ofício 60 %
Multas isoladas 20 %
Juros de mora 25 %

Como se vê, a lei é omissa quanto ao procedimento de cálculo dos juros de mora sobre multas de ofício e multas isoladas.

Cabe ao intérprete, portanto, observar que, diferentemente do que ocorre com débitos principais (que não sofreram redução alguma com a Lei 11.941/09), a parte das multas cancelada no parcelamento exclui o respectivo crédito tributário, nos termos do art. 175 do CTN. É, portanto, totalmente despropositada a aplicação de juros de mora sobre um crédito que nem mesmo existe.

Se há duas espécies de juros de mora diferentes, juros de mora sobre débitos principais e juros de mora sobre multas (de ofício e isoladas), cabe definir se a redução das multas, por si só, pressupõe a redução dos juros a ela atrelados.

A única resposta possível para solucionar a questão é considerar que os juros de mora sofrem redução proporcional à anistia das multas que lhes servem de base. Os juros somente podem ser aplicados sobre o montante das multas que efetivamente existir após as reduções instituídas pela lei.

Tanto isso é verdade que a anistia tem efeitos ex tunc em relação ao passado. No âmbito penal, a anistia cancela retroativamente os efeitos jurídicos criminais da infração objeto da decisão condenatória, conforme ensina Damásio de Jesus:[1]

“A anistia opera ex. tunc, i.e., para o passado, apagando o crime, extinguindo a punibilidade e demais consequências de natureza penal.”

O STF já decidiu nesse mesmo sentido, citando lição do penalista Pinto Ferreira:

A anistia provoca a criação de uma ficção legal, como se os fatos incriminados não tivessem sido praticados, os crimes são olvidados apenas sob o aspecto penal.[2] (grifo nosso)

Esse entendimento não é diferente no âmbito tributário. De acordo com a interpretação conjunta dos artigos 106, 175, 180 e 181, inciso II, alíneas ‘a’ e ‘b’, do CTN, a anistia é uma hipótese de exclusão do crédito tributário, afastando, ex tunc, a eficácia do evento antijurídico.

Ou seja, a anistia também é uma ficção jurídica que tem o poder de anular a existência do ato antijurídico, como se este jamais tivesse se materializado.

Assim, com a edição da lei de anistia (instituída pela Lei 11.491/09), opera-se a “exclusão” do crédito tributário relativo às multas de ofício e isoladas, nos termos do art. 175, inciso II, do CTN.

Pela modalidade de parcelamento escolhido pelo contribuinte, essa exclusão é plenamente possível nos termos do art. 181, inciso II, do CTN:

Os efeitos retroativos dessa exclusão ficam ainda mais evidentes diante da alínea ‘c’ do inciso II do art. 106 do CTN:

Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

[…]

II – tratando-se de ato não definitivamente julgado:

[…]

c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.

Como a anistia instituída pela Lei 11.491/09 criou a exclusão com efeitos ex tunc dos respectivos créditos tributários, os juros de mora sobre a parcela cancelada dessas multas devem ser igualmente cancelados, já que inexiste mora em relação ao pagamento da parte da multa que deixou de existir retroativamente.

Desse modo, em atenção à ficção jurídica criada pela anistia da multa no âmbito do Refis, o crédito tributário correspondente jamais existiu. Por esse motivo, não há mora em relação a pagamento da multa inexistente.

Isso porque, se o pressuposto lógico da mora é a existência do crédito cujo pagamento está em atraso, o cancelamento do crédito com efeito ex tunc afasta a razão de existir dos juros de mora.

Tanto é assim que a anistia total de uma multa, por essência, sempre exonera o contribuinte dos juros a ela atrelados. Nunca remanesce a obrigação de pagar os juros, justamente porque sua base de incidência deixa de existir. Isso evidencia que o mecanismo realizado pelo fisco federal, a partir de um raciocínio bastante incoerente, destoa da própria essência da exclusão do crédito tributário.

Assim, como os juros de mora são um mecanismo de atualização do valor do crédito tributário, de acordo com o art. 161 do CTN, eles devem ser calculados somente sobre a parcela existente do crédito tributário.

O cálculo dos juros de mora sobre multas de ofício e multas isoladas deve respeitar a própria existência dessas multas, dado os efeitos retroativos da anistia. Isso porque, vale reforçar, inexiste mora em relação a crédito tributário que jamais existiu.

No caso da Lei 11.941/09, o fisco implementou um cálculo totalmente enviesado, pressupondo que as multas existiriam em sua integralidade. Observe-se o quadro comparativo:

DÉBITOS INCLUÍDOS NO REFIS DÉBITOS INCLUÍDOS NO REFIS DE ACORDO COM O FISCO
Art. 1.º, §3.º, V da
Lei 11.941/09Texto do corpo
Reduções: 60% das multas de ofício, 20 % das multas isoladas e 25% dos juros de mora Reduções: 60% das multas de ofício, 20% das multas isoladas e 25% dos juros de mora
Juros sobre multas após reduções: 75 % dos juros de mora sobre 40% das multas de ofício e 80% das multas isoladas Juros sobre multas após reduções: 75% dos juros de mora sobre 100% das multas de ofício e 100% das multas isoladas

O Tribunal Regional Federal da 4.ª Região também já manifestou esse entendimento:

TRIBUTÁRIO. PARCELAMENTO. LEI N.º 11.941/2009. ART. 1.º, § 3.º, INCISO I. PAGAMENTO À VISTA. REDUÇÃO DE 100% DAS MULTAS DE MORA E DE OFÍCIO.

A Lei n.º 11.941/2009 que criou o parcelamento denominado “Refis da Crise”, ao estabelecer uma “redução de 100% (cem por cento) das multas de mora e de ofício”, para o caso de pagamento à vista, não estabeleceu nenhuma restrição quanto à apuração desta redução, de forma que é impositivo legal que esta redução seja plena, efetivamente de 100% da multa.

Havendo redução de 100% das multas devidas pelo contribuinte no caso de pagamento à vista, estas multas não podem, de forma alguma, influenciarem no cálculo dos débitos a serem adimplidos à vista. As multas, desoneradas por previsão legal, não podem, via de consequência, gerarem reflexo no cálculo dos juros e de atualização monetária do débito.

Assim, a metodologia defendida pela Fiscalização, com base na Portaria Conjunta PGFN/RFB n. 6/2009 (artigos 14 e 16), vai de encontro a este raciocínio, pois autoriza que o Fisco, na apuração do valor para pagamento à vista, por primeiro consolide da dívida (considerando o valor das multas), para só depois proceder à redução da multa.

A Lei n.º 11.941/2009, instituidora do parcelamento, não exige que o pagamento à vista seja considerado somente após a consolidação dos débitos, de sorte que a Portaria Conjunta PGFN/RFB n.º 6, de julho de 2009, ato regulamentar infralegal, não poderia ter inovado na ordem jurídica de molde a limitar o direito que a lei conferiu ao contribuinte em maior extensão. Com efeito, os atos normativos jamais podem invadir o campo de atuação que a Constituição Federal outorgou exclusivamente à lei (art. 150, § 6.º).[3] (grifos nossos)

Pelas razões expostas, é claro o direito à reapuração dos valores devidos em relação aos juros de mora no âmbito dos parcelamentos, para retirar a incidência sobre a parcela anistiada das multas de ofício e isoladas.

Norma vinculante do próprio fisco – a Solução de Consulta Cosit 208/15 dispõe exatamente que os juros seguem o principal.

A própria Receita Federal do Brasil já reconheceu, com efeito vinculante, que os juros de mora têm natureza acessória em relação às multas sobre as quais são calculados.

Essa disposição consta da Solução de Consulta Cosit 208/15, que trata da indedutibilidade dos juros de mora sobre multas, para apuração de Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), embora as multas não se enquadrarem como despesa:

[…]

28. Nesse contexto, se tal conduta constitui hipótese de descumprimento de obrigação acessória, que tem como efeito a falta de pagamento do imposto, a penalidade aplicada não se enquadra na definição referida, de “multas impostas por infrações de que não resultem falta ou insuficiência de pagamento de tributo” e, como tal, não é dedutível na apuração do lucro real para fins de cálculo do imposto sobre a renda da pessoa jurídica.

29. Por seu turno, os juros incidentes sobre a multa de ofício devem ser tratados como acessório, seguindo a mesma sorte do principal. Desse modo, também constituem despesa indedutível. (grifos nossos)

Não por outro motivo, o TRF da 5.ª Região entendeu que a parte cancelada das multas no Refis não deve sofrer a incidência de juros de mora. Isso porque, pelo princípio de direito privado, o acessório segue o principal, como exposto abaixo:

TRIBUTÁRIO. LEI N.º 11.941/2009 (REFIS DA CRISE). COFINS. PIS. PAGAMENTO À VISTA. REDUÇÃO DE 100% DA MULTA. RFB. PGFN. DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTO. EMISSÃO DE DARFS. NOTA PGFN/CDA N.º 1045/2009. MUDANÇA DE INTERPRETAÇÃO DA METODOLOGIA DE CÁLCULO. COBRANÇA DE RESÍDUO. INCIDÊNCIA DE JUROS SOBRE O VALOR DE MULTA OBJETO DE REDUÇÃO INTEGRAL. IMPOSSIBILIDADE.

[…]

II. Conforme se observa, o saldo remanescente que a Fazenda Nacional alega subsistir decorre da divergência de interpretação dada, pela Receita Federal do Brasil (RFB) e pela Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN), à forma de cálculo dos benefícios constantes da Lei n.º 11.941/2009 (Refis da Crise), a qual estabelece que o pagamento à vista da dívida importa na redução de 100% das multas de mora e de ofício.

III. Ocorre que, a RFB cuidava de abater do total do débito o valor da multa antes de fazer incidir os juros moratórios, enquanto que a PGFN calculava os juros de mora sobre o montante integral do débito para, só depois, abater a multa, como informa a Nota PGFN/CDA n.º 1045/2009, que ao final uniformizou os procedimentos, fazendo prevalecer o entendimento da PGFN.

[…]

VI. Ademais, há que se considerar que a metodologia adotada pela PGFN, que veio a prevalecer no âmbito administrativo, malfere o princípio da legalidade, porquanto se o art. 1.º, §3.º, da Lei n.º 11.941/2009 dispõe que as dívidas pagas à vista importam na redução de 100% da multa, não pode a Administração cobrar juros sobre o valor desta mesma multa. O acessório segue a sorte do principal, portanto não há que se falar em juros sobre multa que foi reduzida a zero.[4] (grifos nossos)

Diante de todo o exposto, fica demonstrada a completa impropriedade da exigência de juros de mora sobre a parcela anistiada das multas de ofício e das multas isoladas, quando os débitos forem incluídos no Refis e posteriormente liquidados, na forma prevista pelo art. 33 da Lei 13.043/14.

Além disso, o procedimento do fisco viola o princípio do não confisco e o direito de propriedade.

Conclusão

Pelas razões apresentadas, é inequívoco que a exigência de juros de mora sobre multas de ofício e isoladas, no Refis e no cálculo dos débitos liquidados, como estabelecido no art. 33 da Lei 13.043/14, mostra-se não só indevida como descabida, já que:

  • De acordo com a doutrina de direito penal, a jurisprudência do STF e os artigos 106, inciso II, alínea ‘c’, 161, 175, inciso II, 180 e 181, inciso II, alínea ‘a’ e ‘b’, do CTN, a anistia tem efeitos ex tunc, afastando a antijuridicidade da infração e cancelando a respectiva penalidade como se essa infração jamais tivesse existido.
  • Inexistindo mora em relação ao crédito tributário inexistente (as multas anistiadas), não há incidência de juros de mora sobre as multas canceladas no Refis.
  • Não havendo definição expressa na lei sobre a exigência de juros de mora sobre multas de ofício e multas isoladas, devem prevalecer os conceitos e princípios do direito privado, conforme o art. 109 do CTN.
  • Deve-se aplicar o princípio de direito privado, segundo o qual “o acessório segue o principal”, positivado no art. 92 do Código Civil, em conformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e a orientação da própria Receita Federal do Brasil (Solução de Consulta Cosit 208/15), para se reconhecer que os juros de mora têm natureza acessória em relação às multas sobre as quais eles são calculados.